Motivação:

Quando decidimos estabelecer que este projeto fosse acessível ao grande público da internet, sabíamos da quantidade de pessoas que poderíamos atingir. Dizemos poderíamos porque somos cautelosos e humildes, uma vez que certamente reconhecemos a gigantesca oferta: sites de literatura de inquestionável qualidade pululam no vale fértil das redes sociais, e outros, não tão preocupados com o selo qualitativo, seguem logo atrás na semeadura das letras nesta terra de ninguém - não em menor número, paradoxalmente. A literatura, por incrível que pareça, se alastra não como uma bela cultura vegetal, como uma bisonha erva daninha, porém, procurando absorver fama mineral que alimente o ego seco da raiz. Eis no que diverge o nosso trabalho e o desta horda de escritores que têm aterrorizado os dias com seus autógrafos, espadas e lanças: não necessitamos de visibilidade. Não faz a mínima diferença o número de pessoas que visualizará este blog, faz diferença apenas o fato dele existir. A intenção é ofertar um registro fiel dos dias de um homem cuja existência foi dedicada à busca da beleza, da suavidade, da paz, do amor em todas as suas incontáveis formas, ainda que tenha sido o conflito a via pela qual viajou durante a maior parte do tempo. Venkon Sinjoro Serena reconhece em si mesmo uma expressão ímpar na literatura, ainda que este fato não mereça nem celebração nem repúdio: abre um caminho entre as matas, uma faca de prata nas mãos evoca luz, eis uma estrada! Ali segue o poeta, sozinho...

v. s. s.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

I

Vivessem
Na terra
Os anjos
Como vivem
Os homens -

Anjos
Seriam?



II

Nenhuma
Vírgula
Sequer
Fora do lugar,
O desnorteamento
É uma ilusão: tudo,
Absolutamente tudo
Está
Onde deveria
Estar.

É este o maior absurdo
Do qual já se teve notícia:
Nenhuma vírgula sequer
Fora do lugar...

domingo, 28 de dezembro de 2014

Sendo um homem
Frequentemente sentado
No ofício do pensamento,
Pergunto-me o seguinte:
Quantos dias adiante,
Quantas frutas no pomar?

Meu caderno tem folhas
Em branco, um número
Imensurável, porém definitivamente
Finito. Sendo um homem,
Frequentemente, sentado
No escritório de pensar,
Pergunto-me: eu?
Realmente eu?
Por que não outro eu?
Quantos dias adiante,
Quantas folhas no caderno,
Quantas frutas no pomar?

Já tomei goles largos, largos
De vida, embebedei-me,
Ainda assim não
Saciei esta sede profunda
Que amarga-me.
Números inúteis, questões
Inúteis. Não podendo conter
Em mim todo o conhecimento
Do universo, qual a utilidade
De uma parcela ínfima?
Onisciência
Ou morte -
Depois banalidade
Da onisciência
Ou carisma enigmático
Da morte...

Quantos dias
Adiante?

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Eis
A verdade: sou
O lado escuro
Da lua, a intuição
Sutilíssima e negra,
A quinta-feira
Esquecida no passado
E também
A semana
Que vem...

O que não englobo?
Tudo me pertence
E eu pertenço ao todo.
Não gozo a minha vida,
Gozo a própria ilusão,
Aquilo que chamamos
Realidade, mas não sabemos
A essências das frases
Vagas, as lâminas
Cegas, as tardes
Mudas que não passam...
Amo estas tristezas
Tanto que para mim
São felicidades!

Me deixo levar pelo vento
E pelo farfalho de árvores
Que parecem monstros
No escuro.
Não quero
Me preocupar - há
Um motivo, é óbvio,
Há um motivo por detrás
Disto que experiencio
Quase sem querer...
Há um motivo, é
Óbvio!

Se este mundo e estes dias
Fossem para ser levados a sério,
Aí então é que seria impossível
Qualquer coisa como sanidade,
Bom senso ou razão... Abaixo
As ordens todas:

Porque quero viver,
Mordo,
Porque quero amar,
Mato.

sábado, 20 de dezembro de 2014

Caminho entre matas
Que não têm caminho:
Desbravo. Tenho nas mãos
Uma faca de prata, mas
Não corto o verde -
A lâmina argêntea
Na minha mão direita,
Alva, evoca luz apenas!
Eis: meu punhal é sereno,
Meu punhal é humilde,
Meu punhal sabe cortar,
Mas prefere não.

Sem ferir
Enquanto passo,
Deslizo: sou a cobra,
O índio, a rã, a noite,
O rio. Caminho entre
As matas que não têm
Caminho: desbravo -
Me sinto tão feliz
E à vontade neste
Mundo, tão calmo,
Que por minha mão

Não brota a seiva
Doce dos ramos:
Eu quando vou
Sou um vento sutil...

Eis o primórdio das raízes:
Nas matas,
Emaranho.
I

Tenho cometido
Esforços hercúleos
Para abusar de todas
As drogas do mundo
E, por doença autoinduzida,
Parar de pensar, talvez parar
De ser. Eu sou insaciável!

Quando a sede é eterna
A consciência
É um insulto.


II

No meu pátio há
Uma parreira muito alta
Que dá frutos divinos:
Nunca alcancei-os
Com as mãos!
Nunca alcancei-os
Com as mãos,
Porém fiquei
De boca aberta
Abaixo, esperando:
Abocanhei no ar
Um ou outro,
Mas nunca alcancei-os
Com as mãos...

Esta parreira
É a arvore
Da vida,
Do conhecimento
Do bem e do mal -
Esta parreira é colossal
E seus frutos são inalcançáveis
Às mãos de quem
Não sabe dos sussurros
Das colheitas
E dos segredos
Dos sonhos...


III

No meu pátio:
Tuas raízes abafam
Todas as vozes insignificantes
Do mundo.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Os astrólogos
Sabem!
Sabem?
Algo perdeu-se
No caminho:
Uma cigana leu
O meu futuro
E o meu céu
E me disse que eu
Seria um bom pai
E um bom marido,
Mas que, por ter nascido
Sob o augúrio de Leão,
Dezoito de agosto de mil
Novecentos e sessenta,
Às vinte e três horas e vinte
E três minutos, meu demasiado
Ímpeto sexual colocaria em risco
A minha família...

Os astrólogos sabem...
Sabem?
Algo perdeu-se no caminho:
Não tive filhos senão cães,
Meu desejo sexual é uma ardência
E eu já pensei em copular com animais...
Se deuses existem
- Existem! -
Me condenaram por puro gosto,
Crianças medonhas
Queimando insetos
Por diversão.

Estou ligado à verdade
Universal, ao destino dos homens,
E ser um pouco mais aberto me faria muito bem.
Os astrólogos sabem
Que as nossas principais qualidades
Tem muitas chances de se tornarem
Nossos principais problemas. Eis
O que aconteceu comigo:

Os oráculos disseram que eu teria a sensibilidade
De um poeta, porém nunca disseram que isto seria
Uma bênção...

Sofro
Meus
Dons.
Isto é tudo.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Todo poeta que preze a arte
Acaba, em dado momento,
Abandonando a arte:
Vai pra África selvagem viver
De crimes ou suicida-se
Numa tarde silenciosa
De abril ou morre de desgosto
E cai numa cova apertada.

É um filho do exagero!
Isto ninguém pode compreender!
É um filho do exagero e,
Por menos que possa parecer,
O poeta é um filho do silêncio -
Escreveu em papéis duzentas e poucas
Frases, mas no fundo da mente é que jaz
O infinito verbo invisível...

Arranca a própria orelha! Bebe uma dose
Cavalar de estricnina! Dispara,
A todo instante, tiros
Contra o próprio
Peito...

Todo poeta - existem muitos! - que preze
A arte, em dado momento, abandona
A arte, imitando assim um amante
Que, apesar do apego e do sofrimento,
Foge, porque todo amor que preste
Está fadado ao desuso...
A morte virá. O futuro é a morte.
Isto é uma sentença! Isto
É um aborto sofrível,
Porém espontâneo.
Quando a voz cala-se,
E ela há de calar-se,
Não resta nada contudo silêncio.

Quando a voz
Cala-se?