Motivação:

Quando decidimos estabelecer que este projeto fosse acessível ao grande público da internet, sabíamos da quantidade de pessoas que poderíamos atingir. Dizemos poderíamos porque somos cautelosos e humildes, uma vez que certamente reconhecemos a gigantesca oferta: sites de literatura de inquestionável qualidade pululam no vale fértil das redes sociais, e outros, não tão preocupados com o selo qualitativo, seguem logo atrás na semeadura das letras nesta terra de ninguém - não em menor número, paradoxalmente. A literatura, por incrível que pareça, se alastra não como uma bela cultura vegetal, como uma bisonha erva daninha, porém, procurando absorver fama mineral que alimente o ego seco da raiz. Eis no que diverge o nosso trabalho e o desta horda de escritores que têm aterrorizado os dias com seus autógrafos, espadas e lanças: não necessitamos de visibilidade. Não faz a mínima diferença o número de pessoas que visualizará este blog, faz diferença apenas o fato dele existir. A intenção é ofertar um registro fiel dos dias de um homem cuja existência foi dedicada à busca da beleza, da suavidade, da paz, do amor em todas as suas incontáveis formas, ainda que tenha sido o conflito a via pela qual viajou durante a maior parte do tempo. Venkon Sinjoro Serena reconhece em si mesmo uma expressão ímpar na literatura, ainda que este fato não mereça nem celebração nem repúdio: abre um caminho entre as matas, uma faca de prata nas mãos evoca luz, eis uma estrada! Ali segue o poeta, sozinho...

v. s. s.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

I

Analisando em mim mesmo
O conceito ridículo e ultrapassado
De felicidade conjugal, pensando como pode
Ser possível e útil o enfadonho amor romântico,
Acabo chegando à seguinte conclusão:
Bobagem tudo isto. Tem me interessado mais
Observar com serenidade, contemplar as obras
Da vida de longe, anotar tudo em um caderninho
Tosco, etiquetar sentimentos, selecionar
Memórias como quem espeta borboletas
Ressecadas para coleção. Distância
Desta doença melodramática é o que peço!

Mas, desgraça, Loise: é um absurdo que tenhas
Olhos tão lindos e vagos, tão negros quanto
A Primeira Estrela...

Eis: tal escuridão é um feitiço!


II


Eu entreguei a minha alma! Cortei minha mão em sinal
De docilidade e sangrei dentro do caldeirão do teu corpo
Toda a minha imbecilíssima obediência... Que me sobrou,
Loise? É um absurdo que tenhas
O que tens: tudo
Te pertence.

Falhou o ritual, minhas mãos,
Contudo, ainda
Sangram: te invoquei ao mundo,
Súcubo, amada, mas rompeste
O círculo, Loise, fugiste...

Tem me interessado mais,
De longe, observar as obras
Da vida, mas - desgraça -
Uma dor quebrou toda a atenção
Que eu depositava no horizonte:

Minhas mãos
Ainda
Sangram.
I

Ter em mente esta certeza
Tola, muito tola, de que estamos
Sozinhos na terra, desde o nascimento
À morte: baboseiras!

Veja bem, solidão é, na realidade,
Solitude. No meu caso, ao menos, solidão
Não é solidão, é solitude. No teu caso
Eu já não sei o que é.

Eis: onde dormem os sentimentos
Quando não os sentimos?


II

Deixemos
De lado
A separação
Das massas:
Percebo, suavemente,
O universo como um único
Bloco - e o mais incrível
Nisto tudo é que
Eu faço parte dele!
De onde eu vim
É um mistério,
Mas sei que, do mesmo
Lugar, tudo veio junto.
O destino das coisas

É o mesmo para mim
E para as coisas:
Não importa.

Ao que sentimos
Não devemos chamar
Solidão: perdidos em pensamentos,
Não percebemos que está aqui
Tudo quanto está...

Paz é atributo
Natural a um local
Apenas: o fundo silencioso
E negro
Da mente
Humana.

Chamar de solidão
Este encontro inenarrável
Do ser sereno com o estar profundo
É, no meu reino fantasioso,
Crime hediondo,
Tristeza grave,
Pena de morte...
Para um menino
Que nasceu sem pai
Qualquer influência pode
Ser uma alegria ou uma tristeza,
É isto: não ter pai é não saber medir,
Não saber aguardar, desconhecer
Planejamentos, ignorar um mundo
Silencioso e masculino.
Ninguém que possa ensinar
A complexa arte de afiar facas,
Ninguém que saiba que olhares
Severos são também templos
De candura paternal.
Onde a firmeza
Necessária
À gentileza?


- Um menino
Sem pai
Nasce
Ao avesso...

Uma alegria,
Se o amor que faltou
É redobrado e afirmado
Por aqueles que ficaram...

Uma tristeza,
Porque, a quem foi abandonado
Uma vez sequer,
Todo amor do mundo
Sufoca.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

I

Finjo que durmo
Até dormir de fato:
Adormecer é um vinho
Muito suave, devemos
Tê-lo aos poucos, pensar,
Lentamente, nas comodidades
Benéficas de simplesmente estar vivo,
Sentir os lençóis frescos e a maciez
Incorruptível dos travesseiros
Que são nossos. Finjo que durmo
Até dormir e, neste processo,
Degusto a concepção em sonhos
De poesias inexplicáveis e belas
Que nunca encontrarão papel

- Minha mente me leva
Por caminhos constantemente
Inconstantes: se eu não mentir para mim
Mesmo, se não fingir que durmo até dormir,
Não durmo... Não há, neste mundo onírico,
Nada pior do que não dormir.


II

Quem deseja algo de fato, vida dura, vida boa,
Precisa saber fingir - é um decreto:
Somos, todos nós, atores. Fingir
Até tornar-se não é um pecado, é uma arte.
Há muitos anos finjo que sou poeta,
Finjo que penso, finjo que não faço
Parte da grande massa massacrante
- E, veja só que maçada!, parece
Que funcionou:

Sou poeta, penso,
Não faço parte
Desta grande
Massa...

Finjo que durmo
Até dormir, ai, meu deus,
Finjo que sou
Até que me torno:
Assim é que a roda
Gira.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A pergunta que está
Na minha cabeça
Há dias:

Onde a importância
Das memórias íntimas
Na era das fotografias?

Tenho, adolescente,
Tolo, arredio, a sensação
De que nasci no tempo
Errado...

sábado, 22 de novembro de 2014

Ontem à noite eu tive um sonho
Que me espantou muito, muito:
Havia uma estrada longa, longa
Demais, e ao percurso estavam
Plantados todos os meus conhecidos,
Todos, sem exceção alguma,
Portando armas brancas
Prontas para ficarem
Vermelhas
Com meu
Sangue.

Clavas, machados, espadas!
Escarraram em mim com verdadeiro
Ódio! Me humilharam e feriram
Com todas as palavras possíveis

- E alguns até inventaram novas
Palavras, por motivos de estilo:
É muito rebuscada a arte da crítica,
É muito rebuscada a arte
Do desincentivo.
Isto tudo
Não deve passar de um sonho,
É óbvio que sim, por favor!
Pois que se não fosse um sonho,
Seria triste, triste demais
Esta vida e esta estrada...

Entretanto, vejam bem
Como dos momentos mais insalubres
Faz-se o vigor: a cada golpe
Que eu recebi nas costas,
Um pouco mais à frente
Me impulsionaram.

Fizeram isto, eu sei, por amor...
Todos só queriam o meu bem,
Sempre quiseram... Eu, cavalo
Arredio, jamais me moveria
Do meu lugar teimoso
Sem apanhar.
Eis um paradoxo
Que mui me fascina:
Para quem compete
Esta guardada a derrota,
A quem nunca competiu
Resta apenas
Vitória.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Eis como é
Ancestral e animalesca
A minha necessidade
De expressão, eis a antiguidade
Deslumbrante da arte

- Há muito que tentam
Me reprimir, mas tenho
Prevalecido, dura erva,
Deserto seco:

Desde um pouco antes
Da Suméria a obra vem
Sendo composta, as mãos
Do indivíduo se sacrificam,
As mãos da raça
São glorificadas,
Desde um pouco
Antes de seis mil anos
- Ou muito mais, pois
É mentirosa a história
Como nos contam -
A obra vem sendo
Composta! Esta tal
Reincarnação deve de ser
Realidade, eu já tive muitas
Vidas antes!

Esta tal
Reincarnação
É uma loucura:
Já fui e sou
Todos os artistas
E todos os amantes
E todos os animais
Ferozes
Da selva...