Motivação:

Quando decidimos estabelecer que este projeto fosse acessível ao grande público da internet, sabíamos da quantidade de pessoas que poderíamos atingir. Dizemos poderíamos porque somos cautelosos e humildes, uma vez que certamente reconhecemos a gigantesca oferta: sites de literatura de inquestionável qualidade pululam no vale fértil das redes sociais, e outros, não tão preocupados com o selo qualitativo, seguem logo atrás na semeadura das letras nesta terra de ninguém - não em menor número, paradoxalmente. A literatura, por incrível que pareça, se alastra não como uma bela cultura vegetal, como uma bisonha erva daninha, porém, procurando absorver fama mineral que alimente o ego seco da raiz. Eis no que diverge o nosso trabalho e o desta horda de escritores que têm aterrorizado os dias com seus autógrafos, espadas e lanças: não necessitamos de visibilidade. Não faz a mínima diferença o número de pessoas que visualizará este blog, faz diferença apenas o fato dele existir. A intenção é ofertar um registro fiel dos dias de um homem cuja existência foi dedicada à busca da beleza, da suavidade, da paz, do amor em todas as suas incontáveis formas, ainda que tenha sido o conflito a via pela qual viajou durante a maior parte do tempo. Venkon Sinjoro Serena reconhece em si mesmo uma expressão ímpar na literatura, ainda que este fato não mereça nem celebração nem repúdio: abre um caminho entre as matas, uma faca de prata nas mãos evoca luz, eis uma estrada! Ali segue o poeta, sozinho...

v. s. s.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

I

O vento
Brando à face:
Saltaste, Ícaro, em direção
Ao fundo do precipício, mas
emergiste, depois, glorioso.
Ah, meu amado, qual melhor
Sensação do que esta? Que melhor
Do que saber que o sol nos aquece
E que seu calor é breve, porém
Ameniza a todas as covas do mundo,
Negramente prontas para o corpo dos homens?
Que melhor, meu amado, do que se sentir
Despido de todas as roupas às mãos
Da brisa cálida e morna?
Brisa deveria ser o rápido nome
De uma deusa
Suave...

Conheceste a escuridão. Para alçar teu voo
Fizeste uso da velocidade da queda, quase tocaste
As trevas do fosso onde o sol não entra – ascendeste,
Contudo: com estupenda velocidade desceste ao quase solo,
Com a mesma velocidade chegaste ao quase sol...
Vês, meu amado? Não vês. Todas as verdades
São meias verdades: o quase sol em nada
Se distingue do quase solo.

Vês? Não vês: eis que a luz cega tanto quanto a escuridão.


II

Se ao menos tivesses ouvido
Ao teu Dédalo, ao teu querido,
Ao teu sagrado, amado, louvado
Dédalo! Ai! Se tivesses ouvido
Este maldito que te trouxe ao mundo,
Se tivesses ouvido o teu local de origem,
A tua carne, o teu sangue, se tivesses entendido,
Ícaro, o caminho do meio:
Nem muito ao sol, nem muito ao mar,
Como te disse
O teu velho...

O que pensaste quando aprendeste a voar?
O homem que percebe as próprias asas
Se julga capaz de tudo... Querias mais luz,
Mais calor, tu que conheceste as trevas, tu
Que quase morreste de frio. Querias o espaço
Aberto que era o oposto de um labirinto,
Querias a glória de Apolo inteiro nos teus braços
- Que conseguiste? Derreteste as tuas asas,
Queimaste tuas penas, caíste efusivamente
Como uma pedra arremessada e, como uma pedra,
Rapidamente encontraste o fundo do mar,
Onde há terra.

Chora, Ícaro, teu pai teus excessos, tua gana, teu vício,
Chora: ele te alertou. Quiseste o que não se pode ter,
Devias ter ficado entre o céu e o mar, nem perto do sol,
Nem perto das ondas. Desejaste: quem quer algo deve saber
O risco de o querer...
Teu corpo caindo
À grande cova das marés
Ensinou uma lição a todos
Nós, meu amado, a todos nós...

Nenhum comentário:

Postar um comentário